sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O ABANDONO NO AMOR DIVINO

O ABANDONO NO AMOR DIVINO


Na sua Narrativa sobre Conversões Surpreendentes, que apresenta um relato de experiências que marcaram de modo muito especial um dos avivamentos pelos quais sua igreja passou – para “dar uma clara idéia da natureza e modo de operação do Espírito de Deus, nesta maravilhosa efusão” - Jonathan Edwards apresenta o testemunho de vida cristã de Abigail Hutchinson. Uma história que ilustra esse conhecimento do amor de Deus que leva a quem o encontrou a entrega de todos os sonhos, desejos e a própria vida ao mesmo Deus.



Abigail havia passado por uma extraordinária experiência de salvação, saindo do estado de completo desespero quanto ao destino eterno de sua alma, até as descobertas mais profundas do amor de Deus que está em Cristo. Edwards relata que “ela teve muitas extraordinárias descobertas da glória de Deus e Cristo; algumas vezes, algum atributo particular, e outras vezes muitos dos atributos de Deus”. Numa certa ocasião, quando o seu irmão lhe falava sobre o amor de Cristo que levou este à morte, tamanho foi o seu senso desse mesmo amor, que a sua simples menção era suficiente para retirar-lhe as forças – “Uma vez, quando ela veio a mim, disse-me que de tempos em tempos, ela pensava que tinha visto tanto de Deus e experimentado tanto prazer e alegria, quanto era possível nessa vida... ela freqüentemente experimentava um senso da glória de Deus manifestando-se nas árvores, no crescimento dos campos, e em outras obras das mãos de Deus... em algumas ocasiões ela experimentava poderosos sopros do Espírito de Deus em sua alma quando lia as Escrituras... algumas vezes podia ser visto em sua face um sorriso de prazer; numa certa ocasião em que sua irmã observou esse sorrisos em seu rosto, ao perguntar sobre sua razão de ser, ela respondeu, “eu estou repleta de um sentimento doce dentro de mim”. Ela era costumeiramente tomada por um sentimento de compaixão por aqueles que viviam sem Cristo. Em certa ocasião falou do seu desejo de ver todos os seres humanos salvos. Havia em seu coração um profundo desejo de morrer para estar com Cristo. Porém, seu maior desejo foi expresso do seguinte modo: “Eu desejo muito viver e desejo muito morrer; desejo muito estar doente, e desejo muito estar bem, desejo muito qualquer coisa que Deus queira trazer sobre mim! Eu me sinto perfeitamente tranqüila, numa completa submissão à vontade de Deus”.



Depois disto, ela ficou muito doente. Numa noite em que ela passou grande parte do tempo em extrema dor, foi despertada de um sono curto com estas palavra em seu coração e lábios: “Eu desejo sofrer por Cristo, eu desejo me gastar e ser gasta por Cristo; eu desejo gastar minha vida, minha própria vida, por causa de Cristo”. Edwards faz o seguinte comentário sobre esse período: “Muito embora ela expressasse uma extraordinária resignação com respeito a morte e a vida, ainda assim seus pensamentos sobre morrer eram excessivamente doces para ela”.



Sua enfermidade estava toda concentrada na garganta. Um tubo tinha que ser posto na sua garganta para que ela pudesse se alimentar, o que somente podia ser feito através da ingestão de líquido e não sem causar-lhe muita dor. Ela chegou ao ponto de ter que ser alimentada pelas narinas até que não conseguia engolir mais nada. Sentia fome, porém não podia comer. Contudo, pode testemunhar para sua irmã o quanto que o mais amargo nas suas circunstancias de vida era doce para ela. Muitos sentiam grande comoção ao vê-la em condições tão aflitivas e ficavam admirados com a ausência completa de impaciência em sua vida. Num dia em que ela lutava em vão para tomar um pouco de alguma coisa liquida, olhou para sua irmã dizendo: “Oh! irmã, isto é para o meu bem”. Ela costumava algumas vezes dizer para a sua irmã, sob sofrimentos extremos, “É bom que seja assim”. Seu mais profundo consolo era perceber que a vontade perfeita e boa de Deus estava se cumprindo em sua vida. “Deus é meu amigo”, dizia. Olhando sorrindo para a sua irmã foi levada a dizer um dia: “Quão bom é! Quão doce e confortável é considerar, e pensar nas coisas celestiais”. Ela expressava grande preocupação no seu leito de morte por aqueles que estavam sem Cristo. E, de igual modo, preocupava-se com os piedosos para que estes conhecessem mais a Deus.



Ela ficou muito fraca durante um tempo considerável antes de morrer, sentindo fome e sede, a tal ponto que sua carne parecia estar seca e grudada aos seus ossos. Durante muitos dias antes da sua morte, ela muito raramente podia dizer alguma coisa, exceto sim e não para perguntas que lhe eram feitas. Contudo, ela parecia continuar admiravelmente numa doce serenidade de alma, sem interrupção, até o fim, e morreu como uma pessoa que estava indo dormir, sem se debater, por volta do meio-dia, numa sexta-feira, do dia 27 de Junho de 1735. Ela morreu principalmente por causa da fome.



Edwards fez o seguinte comentário sob Abigail Hutchinson: “Ela quis estar onde a graça poderosa pudesse ter mais liberdade, e estar sem o empecilho de um corpo fraco; lá ela desejou estar, e lá sem dúvida ela está agora”.



Para uma geração acostumada aos confortos crescentes que tem obtido desde a revolução industrial inglesa e profundamente hedonista, tais declarações podem ser consideradas manifestações de um estado neurótico. Uma mulher que somente é capaz de ser feliz na desgraça pessoal completa, pois encontra-se sob a pressão de um processo de expiação pessoal inconsciente. Observe, contudo, que todo o comportamento dessa crente da América colonial encaixa-se perfeitamente na forma cristã de ver a vida. Partindo da pressuposição de que há um Deus infinito pessoal que rege todas as coisas para a glória do seu nome e felicidade do seu povo, ter paz na tribulação não é nenhum absurdo. Especialmente se acrescentarmos à experiência a indubitável presença do Espírito Consolador, prometido por Cristo para o seus discípulos. Garantia suprema do fato de que seja qual for a luta pela qual tenhamos que passar haverá sempre uma provisão da graça divina, infinitamente superior àquilo de que carecemos para não perder o ser na dor. Graça que está longe de se tratar de uma mera operação impessoal, mas que nada mais é que sinônimo da presença do próprio Deus na pessoa do Espírito Santo. Já no Antigo Testamento o rei Davi podia dizer: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo